A morte da bebê Maria Cecília, ocorrida horas após o parto no Hospital São Salvador (HSS), em Além Paraíba, gerou comoção, denúncias de negligência e uma sindicância interna para apurar a conduta de profissionais de saúde. O Jornal AGORA entrou em contato com a mãe da criança, a além-paraibana Jaciane Ferreira, de 36 anos, para relatar o ocorrido.
Jaciane estava grávida de 39 semanas quando procurou o hospital pela primeira vez, na sexta-feira, 30 de maio, com contrações. Segundo ela, esperou cerca de três horas pela chegada do obstetra plantonista. Atendida por uma enfermeira, realizou exames e foi orientada pelo médico a decidir se permaneceria internada ou voltaria para casa. “Ele disse que eu que deveria decidir, porque não havia garantia de que a dor aumentaria”, contou.
No sábado, dia 31, as contrações retornaram, acompanhadas da perda de secreções. Jaciane voltou ao hospital e foi atendida por outra médica, que a orientou a retornar para casa, alegando que se tratavam de “contrações de acomodação”. A profissional ainda teria alertado que, caso entrasse em trabalho de parto naquele dia, o hospital não contava com anestesista disponível, o que poderia demandar transferência para outra unidade.
Na segunda-feira, 2 de junho, após apresentar sangramento, Jaciane relatou o caso à sua médica de pré-natal durante consulta para retirada da licença maternidade. A profissional entrou em contato com a Secretaria de Saúde, que marcou nova avaliação com o obstetra no próprio hospital. Conforme Jaciane, o atendimento foi demorado e o médico demonstrou impaciência, afirmando que não estava de plantão. Foi identificado novo sangramento e aplicada medicação intravenosa (Buscopan), sendo a paciente novamente liberada para casa.
As dores se intensificaram na noite de quarta-feira, 4 de junho. Ao retornar ao hospital, Jaciane foi finalmente internada e encaminhada para uma cesariana de urgência. Ela relata ter sido bem tratada pela equipe de enfermagem e pelo anestesista, mas notou que sua filha não chorou ao nascer. “Perguntei pela minha filha e me disseram que ela estava com secreção no pulmão e sob os cuidados da pediatra”, disse.
Horas depois, ainda no quarto, recebeu a notícia do falecimento da bebê. Segundo o atestado de óbito, a causa foi “sofrimento fetal e aspiração (broncoaspiração)”. Maria Cecília nasceu com quase 3 kg, e exames realizados durante a gestação, inclusive o doppler no dia 19 de maio, não apontaram nenhuma anormalidade. A gestante teve acompanhamento pré-natal por meio da Estratégia de Saúde da Família do bairro Jardim Paraíso, sem qualquer tipo de intercorrência. Jaciane é mãe de dois filhos gêmeos, de 17 anos.
Vereadores cobram explicações
O caso gerou repercussão na Câmara Municipal. Durante a sessão legislativa, o presidente da Casa, vereador Davi da Paz, se pronunciou oficialmente sobre o caso, manifestando solidariedade à família e cobrando providências. Um requerimento foi aprovado, solicitando à Secretaria Municipal de Saúde informações detalhadas sobre o atendimento prestado à gestante. Entre os pontos solicitados estão: quem era o médico de plantão nos dias dos atendimentos, cópia do prontuário médico, identificação de profissionais envolvidos e os detalhes sobre a sindicância instaurada no Hospital São Salvador.
O vereador Fernando Cruz, juntamente com outros parlamentares, também reforçou a necessidade de uma investigação completa, com total transparência e responsabilização, se for o caso.
Hospital instaurou sindicância e emitiu nota oficial
A administradora do Hospital São Salvador, Ana Helena, informou ao Jornal AGORA que recebeu pessoalmente Jaciane, ouviu seu relato e já instaurou uma sindicância interna, envolvendo todos os profissionais que participaram do atendimento da gestante. Os envolvidos terão prazo para prestar esclarecimentos.
O secretário municipal de Saúde e interventor do hospital, Flávio Falcão, confirmou ao Jornal AGORA que a apuração está em andamento e reforçou o compromisso com a verdade e a ética.
Nota Oficial enviada pelo Hospital São Salvador:
A Secretaria de Saúde e o Hospital São Salvador lamentam profundamente o falecimento do recém-nascido e se solidarizam com os familiares neste momento de imensa dor. Como instituições comprometidas com a vida, a ética e a transparência, reforçamos que todas as providências estão sendo rigorosamente adotadas para esclarecer os fatos com responsabilidade e seriedade. Está em curso um processo de apuração criterioso e isento, conduzido com o devido envolvimento dos profissionais e órgãos competentes, a fim de garantir uma análise justa e baseada em evidências. Reiteramos nosso compromisso com a verdade e com o respeito à família enlutada, pedindo que o caso seja tratado com a sensibilidade e o cuidado que a situação exige, sem espaço para julgamentos precipitados ou informações não verificadas.”
Atenção à saúde gestacional precisa de mais sensibilidade
O caso evidencia a urgência de um olhar mais atento sobre os protocolos de atendimento no sistema público de saúde, especialmente quando se trata da saúde gestacional. A atuação de profissionais deve ser técnica, mas também acolhedora e atenta aos sinais que, muitas vezes, antecipam complicações. A responsabilidade institucional — tanto da Secretaria de Saúde quanto da gestão do hospital — vai além de instaurar sindicâncias: é preciso revisar rotinas, garantir a presença de equipes completas e, sobretudo, respeitar o tempo e o sofrimento de quem procura atendimento.
A morte de um bebê não pode ser apenas mais um número em estatísticas. Cada caso precisa ser olhado com humanidade e compromisso, para que tragédias como a da pequena Maria Cecília não voltem a acontecer.
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